Residências Rurais Paulistas: Uma Janela para a História Arquitetônica de São Paulo

Escrito por: Equipe INGÁ, em setembro de 2024.

Quando pensamos na história da arquitetura brasileira, muitos de nós provavelmente não associamos imediatamente as "Casas Bandeiristas" à sua relevância. No entanto, estas são parte intrínseca da rica herança arquitetônica colonial de São Paulo, marcando o início do povoamento do estado no século XVI.

Em 1937, quando o Sphan ¬– Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, atualmente conhecido como Iphan – deu início às suas atividades, elas ainda não tinham essa denominação, pois havia uma carência de informações suficientes para defini-las como tal. Naquela época, eram chamadas de "casas velhas" devido às suas características antigas ou de "casa-grande" por pertencerem às classes mais abastadas da zona rural, e até então, eram consideradas destituídas de valor artístico.

A compreensão e o reconhecimento das "Casas Bandeiristas" foram desenvolvidos ao longo dos anos, principalmente através dos tombamentos realizados pelo Iphan. Figuras como Rodrigo Franco de Mello, Mario de Andrade e o engenheiro-arquiteto Luís Saia desempenharam papéis cruciais nesse processo. E, de acordo com a arquiteta Lia Mayumi em sua tese de doutorado, esses esforços históricos tinham um duplo propósito: primeiro, escrever uma história da arquitetura brasileira, classificando-as com base em critérios estilísticos, tipológicos e morfológicos, relacionando-as à história econômica, social e cultural do Brasil; segundo, demonstrar que a experiência modernista dos arquitetos do Iphan era uma continuação natural da história da arquitetura colonial luso-brasileira, considerada digna de ser chamada nacional.

Em 1937, Mario de Andrade, então Assistente Técnico responsável pela região sul do Brasil, iniciou estudos sobre essa arquitetura. Junto com Luís Saia e o historiador Nuto Sant’Ana, listou monumentos arquitetônicos que, em sua opinião, mereciam ser tombados em São Paulo. Eles dividiram o estado em zonas vastas e identificaram monumentos valiosos em vilarejos e ao longo dos caminhos, combinando história e arte em uma viagem de exploração.

A lista de monumentos de interesse incluía edificações religiosas, edifícios civis e arquitetura oficial. Entre essas categorias, encontravam-se a Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, o Convento de Nossa Senhora da Luz, a Igreja de São Miguel e muitos outros. Esses monumentos não apenas representavam a arquitetura da época, mas também carregavam consigo uma rica herança cultural e histórica.

O partido arquitetônico dessas construções reflete o modo de vida da época: propriedades, em sua maioria, dos grandes fazendeiros paulistas, donos das terras, com privilégios políticos e detentores de exércitos militares – formados principalmente pela miscigenação a partir dos índios com os colonizadores brancos e europeus –, motivos pelos quais possibilitaram a exploração do território através das bandeiras.  

Dessa forma, a partir da análise das edificações listadas e tombadas, Luís Saia identifica características comuns e presentes nas tipologias bandeiristas consideradas “puras”, já aquelas desprovidas de alguns desses elementos eram consideradas posteriores ao período seiscentista.

A classificação também distinguia os exemplares de acordo com a qualidade do material e das técnicas construtivas aplicadas, sendo considerados os mais antigos aqueles bem executados, pois no período havia mão de obra (carpinteiros e taipeiros) abundante e de boa qualidade. Já aqueles categorizados com qualidade inferior, eram considerados posterior, uma vez que com o advento do ciclo ouro (início do século XVII) a mão de obra qualificada migrou para as regiões de Minas Gerais.

Em estudos posteriores, o arquiteto Júlio Katinsky elenca como elementos principais das edificações bandeiristas e de tradição bandeirista: obras realizadas por arquitetos e artífices desconhecidos; fachadas implantadas no sentido norte (para evitar ventos sul-sudeste); trecho frontal com capela, varanda e quarto para hóspedes; sala grande com distribuição para outros cômodos; ausência de cozinha; e espaços internos associados ao modo de viver indígena.

Para ambos os pesquisadores da tipologia, Saia e Katinsky, a taipa é o sistema construtivo comum empregado nas edificações até meados do século XIX – exceto no litoral –, possivelmente devido às influências europeias (principalmente Espanha e Portugal), adaptado às condições ambientais e aos materiais disponíveis brasileiros, bem como ao programa de necessidades dos proprietários da terra. 

Dois exemplos notáveis remanescentes da arquitetura colonial paulistas, podem ser encontrados na cidade de São Paulo:

Casa do Bandeirante (ou do Butantã): Localizada no bairro do Butantã, em São Paulo/SP, esta típica habitação rural paulista foi construída entre os séculos XVII e XVIII. Com características como telhado em quatro águas, telhas capa e canal, paredes de taipa e um alpendre anexado à fachada, essa casa representa a essência da arquitetura bandeirista. A restauração desta edificação foi iniciada em 1940 por Luís Saia, representante do Iphan na época.

Casa do Caxingui: Construída em meados do século XVII, a Casa do Caxingui, localizada no bairro Caxingui, também em São Paulo/SP, foi restaurada entre 1966 e 1970. Acredita-se que seu primeiro morador tenha sido o Padre Belquior de Pontes. Ela compartilha muitas das características comuns às "Casas Bandeiristas".

As "Casas Bandeiristas" não são apenas testemunhos da história arquitetônica de São Paulo, mas também das complexas histórias culturais e sociais que moldaram o estado. Através da preservação e estudo dessas construções, continuamos a honrar nosso passado e a manter viva a rica herança deixada por aqueles que moldaram a história de São Paulo e do Brasil.


Até a próxima leitura!